Dossiê AC/DC: a matéria que não entrou

1 02 2009
Roadie Crew #120

Roadie Crew #120

Quando você pensa em preparar um especial de dez páginas dedicado a uma banda, precisa correr atrás de material e informações que sustentem e justifiquem um décimo de uma revista direcionado a apenas um grupo. É evidente que quando falamos de AC/DC, no entanto, as coisas ficam mais fáceis, pois o conjunto australiano nos oferece um espantoso leque de possibilidades com mais de trinta e cinco anos de história e um reinado no Rock ‘N’ Roll que foi intensamente revigorado com o lançamento de Black Ice (2008 ).

O problema depois de longas conversas com atuais e ex-integrantes, designer gráfico, mixers de clássicos e do disco recente, além de uma conversa franca com o filho do lendário e eterno vocalista Bon Scott, passa a ser, então, o que incluir e o que deixar de fora considerando-se as possibilidades da publicação e do que estava planejado. Foi nesta que Simon Wright, baterista que gravou Fly On The Wall (1985), Who Made Who (1986) e Blow Up Your Video (1988 ), e que segue carreira na banda de Dio, rodou. Bem, ao menos na versão impressa do que chamamos de “dossiê AC/DC”, capa da edição No. 120 da Roadie Crew.

Abaixo você confere a entrevista com Simon e os fatos curiosos que ele nos contou.

simonwright01Você entrou para o AC/DC em 1983. O que mudou a partir de então, e quem era Simon Wright antes daquela experiência?
Simon Wright:
Tudo mudou e muitas portas se abriram. Antes de entrar para o AC/DC, eu havia tocado por dois anos em uma banda de Manchester chamada A II Z. Eles encerraram atividades por diversas razões, e fui para Londres. Isso foi por volta de 1982. Eu era um garoto de 18 anos inexperiente e simples, com pouco dinheiro no bolso – como a maioria dos garotos dessa idade -, mas decidido a continuar tocando bateria e integrando bandas. Nada mais passava pela minha cabeça além da carreira na música.

O AC/DC enfrentava uma série de dificuldades antes de sua entrada para o grupo. Conflitos entre os membros da banda, assim como problemas com drogas e álcool, estão devidamente registrados em relatos daqueles que os acompanharam à época. Você sentiu que aquilo os afetara e que poderia atrapalhar o seu trabalho?
Simon Wright:
Sinceramente, não. Quando entrei para a banda, não percebi qualquer indício de que eles enfrentavam estes problemas. Internamente, tudo parecia muito positivo no grupo, e estávamos determinados a seguir normalmente com gravações e turnês. Nossa rotina era de boas risadas e de Rock ‘N’ Roll ininterrupto.

Como foi o seu primeiro contato com os músicos do AC/DC?
Simon Wright:
Bem, eu não os conhecia, então, a primeira vez que nos encontramos foi em um ensaio que fizemos logo após o meu teste para entrar para a banda. Fui apresentado a Cliff Williams (baixo) e Malcom e Angus Young (guitarras). Se não me engano, Brian Johnson estava ocupado com algumas questões familiares, mas todos se mostraram muito humildes e amigáveis desde o princípio.

Quando você soube que o AC/DC procurava por um baterista?
Simon Wright:
Uma amiga minha viu um anúncio em uma revista de música, no qual um grupo dizia: “Precisa-se de um baterista, mas se você não toca pesado, não se candidate” (risos). Ela me passou os detalhes, checou o endereço, e felizmente o local do teste era próximo à minha casa. Contudo, eu não sabia para qual banda era o teste.

Conte-nos sobre este teste, então. Ele parece ter sido no mínimo curioso.
Simon Wright:
Quando cheguei ao estúdio, falei com Dicky Jones (técnico de bateria de Phil Rudd que se transformou em um grande amigo em meus tempos de AC/DC). Ele me pediu para acompanhar três músicas de três bandas. Foi esquisito e logo pensei: ‘OK, isso é estranho, mas, vamos ver no que dá’. Toquei Black Dog do Led Zeppelin, Tush do ZZ Top e Shoot To Thrill do AC/DC. Refletindo bem, percebo que eles tinham razão em testar bateristas daquela maneira. Acho que todos os envolvidos ficavam menos nervosos, apesar de, assim como eu, não fazerem a mínima idéia de para qual banda estavam mostrando do que eram capazes.

Sua atuação o deixou satisfeito? O que aconteceu após o teste?
Simon Wright:
As coisas estavam um pouco confusas para mim. Eu não entendia bem aquele método e o que acontecera, tampouco tinha a certeza de que houvera me saído bem. Saí de lá ainda sem saber para qual banda eu havia realizado um teste. No dia seguinte, recebi uma ligação de alguém que trabalhava com eles perguntando se eu poderia retornar e me apresentar novamente para aquela banda misteriosa. Encontrei-me com Dicky novamente e começamos a caminhar em direção a um estúdio de ensaios diferente. Atravessamos um corredor onde havia caixas com o logotipo do AC/DC por todos os lados. Não vou negar que a partir daquele momento fiquei com os nervos à flor da pele (risos).

“Nunca me esquecerei do som daquelas guitarras. Elas soavam incrivelmente pesadas e potentes.”

Após atravessar o corredor, imagino que você finalmente conheceu a banda e tocou com eles. O que lhe chamou a atenção imediatamente?
Simon Wright:
Nunca me esquecerei do som daquelas guitarras. Elas soavam incrivelmente pesadas e potentes. No que concerne à relação com a banda, como lhe disse, foi tudo ótimo. Eles me trataram da melhor maneira possível. Começamos a tocar e a nos divertir.

O AC/DC iniciou então os trabalhos em Fly On The Wall. O que você nos traria daquelas sessões de gravação?
Simon Wright:
Nós ensaiamos na Inglaterra por um mês antes de partirmos para Montreux, na Suíça. Preparamo-nos e montamos tudo no cassino Montreux, aquele sobre o qual o Deep Purple canta em Smoke On The Water. Porém, já não era o mesmo edifício, pois o original, evidentemente, foi destruído no incêndio de 1971, como a própria música conta. De qualquer maneira, o local era perfeito para trabalharmos e tinha uma acústica sensacional. Assim que parávamos de tocar, precisávamos subir as escadas das saídas de incêndio para checarmos os resultados. Curti tudo que envolveu a gravação de Fly On The Wall, inclusive as freqüentes visitas que fazíamos ao pub Big Ben, próximo ao cassino.

O que você achou do álbum?
Simon Wright:
Eu gostei do álbum. Acho que ele tem uma pegada vivaz e direta. É um ótimo trabalho do qual me orgulho de ter participado.

Os fãs, inicialmente, não responderem bem ao álbum. Você acredita que a aclamação dos clássicos lançados pelo AC/DC no final da década de setenta, início dos anos oitenta, pode ter influenciado nestas reações negativas?
Simon Wright:
Sem dúvida. Acho que você tocou em um ponto chave. Apesar de a banda ter lançado Flick Of The Switch (1983) antes da minha entrada, ainda podíamos sentir os efeitos de discos como Back In Black (1980) e For Those About To Rock (We Salute You) (1981). Foram sucessos mundiais, lançamentos históricos, e era praticamente inevitável que a empolgação do público não caísse um pouco após aqueles trabalhos.

simonwrightWho Made Who tirou o AC/DC da rotina, consistindo-se em uma trilha sonora para o filme Maximum Overdrive de Stephen King, incluindo faixas instrumentais, algo raro para a banda. O trabalho no álbum também foi diferente?
Simon Wright:
George Young (N.R.: irmão mais velho de Angus e Malcolm Young) e Harry Vanda foram aos estúdios Compass Point para produzir aquelas faixas instrumentais e tínhamos muitas idéias para aquele álbum. A inspiração para um disco que saía da rotina do AC/DC era enorme. Acredito que Who Made Who é uma excelente trilha sonora para Maximum Overdrive.

Dois anos depois, vocês lançaram Blow Up Your Video, com uma recepção muito mais positiva dos fãs do que aquela que observamos na época de Fly On The Wall. O que aquele álbum trouxe que o seu primeiro disco com o AC/DC não havia apresentado?
Simon Wright:
Acho que Blow Up Your Video tinha composições um pouco mais coesas e intensas que as de Fly On The Wall. George e Harry estavam lá novamente para produzir o trabalho, o que também tirou um pouco do peso dos ombros de Angus e Malcolm.

Quão diferentes como equipes de produção são as duplas Malcolm e Angus Young e Harry Vanda e George Young?
Simon Wright:
Não vejo muitas diferenças. É ótimo trabalhar com George e Harry, porque eles não deixam que paremos um segundo e sempre têm ótimas idéias. Aprendi muito com eles. É um método similar ao de Angus e Malcolm. Eles e George são irmãos, enfim, as semelhanças são inevitáveis. As duas duplas compreendem a maneira como o AC/DC trabalha.

Poucos meses após o início da turnê de Blow Up Your Video, Malcolm Young precisou deixar o AC/DC e tratar de seus problemas com o álcool. Como aquilo mexeu com a banda? Fale também do trabalho com o substituto de Malcolm, o sobrinho dele, Stevie Young.
Simon Wright:
Realmente não foi fácil viver aquela fase com o AC/DC. Todos nós estávamos extremamente preocupados com Malcolm. Angus, principalmente. Obviamente, contudo, quando Stevie veio para ocupar o posto do tio, nós o recebemos muito bem. Ele fez um excelente trabalho e tornou as coisas mais fáceis para o grupo durante um período difícil. De toda forma, o melhor mesmo foi ver Malcolm retornar em boa forma novamente.

Você saiu do AC/DC um ano após aquele álbum. O que o levou a tomar essa decisão?
Simon Wright:
Com o passar do tempo, fiquei cada vez menos entusiasmado com a minha participação nas músicas e nos trabalhos do AC/DC, e eles sentiam isso também. Fiquei com a banda por oito anos e senti que chegara o momento de mudar os rumos da minha carreira e explorar outros tipos de música.

Seus dias com a banda dos irmãos Young não foram os mais tranqüilos e bem-sucedidos do grupo. Quando deixou o grupo, você acreditava que eles ainda tinham pique para retornar e tomar conta de tudo, como fizeram em 2008 com Black Ice?
Simon Wright:
Independentemente das críticas e da fase difícil que enfrentamos, sempre pensei que eles continuariam gravando ótimos álbuns. Para mim, o AC/DC é uma das melhores bandas do mundo e sou grato a eles por terem visto em mim alguém que poderia ajudá-los. Ao lado deles, vivi a grande experiência da minha vida e desejo tudo o que há de melhor à banda.

Depois do lançamento de Blow Up Your Video, Brian Johnson não participou mais das composições do AC/DC. Muitos pensavam que o material escrito por ele prejudicava a banda. O que você diria em relação a isso?
Simon Wright:
Nunca concordei com esta idéia de que o material dele era fraco ou prejudicava a banda. As idéias e composições de Brian Johnson sempre foram ótimas.

Os álbuns que sucederam a sua saída não foram tão duramente criticados, mas também não chegaram a ser aclamados. Você tem algum favorito dentre os lançamentos deste período?
Simon Wright:
Da minha saída até Stiff Upper Lip (2000), o meu favorito é The Razors Edge (1990).

Qual é a sua opinião sobre Black Ice?
Simon Wright:
É um ótimo registro, o melhor deles em muitos anos, e traz algumas faixas que soam diferentes do habitual AC/DC, o que é interessante. Provavelmente não é um Back In Black, mas, pensando bem, o que é? Acho que as pessoas estão adorando o fato de eles terem retornado e excursionarem novamente divulgando um novo álbum. O ressurgimento de grupos como o AC/DC certamente tem o meu apoio.

Phil Rudd é um baterista pouco comentado, às vezes fica apagado ou não é muito lembrado pelos fãs do AC/DC. Como você avalia a atuação dele no novo álbum?
Simon Wright:
Phil é um baterista muito subestimado. Muito mesmo. Ele tem uma pegada incrível e quando toca, faz o que é certo para as músicas. A faixa-título, Black Ice, por exemplo, é uma amostra do ótimo trabalho dele.

Em quais bandas e projetos os fãs podem te ouvir atualmente, Simon?
Simon Wright:
Continuo na banda de Ronnie James Dio, mas estamos parados porque ele está trabalhando com o Heaven And Hell agora. Então, tenho gravado e tocado com vários artistas e bandas como Tim “Ripper” Owens, Big Noize, Rhino Bucket e UFO.

simonwrighttop51

Por Thiago Sarkis

Site Oficial: www.myspace.com/drummersimonwright

Roadie Crew: www.roadiecrew.com


Ações

Information

10 responses

1 02 2009
Guilherme Horta

Uma pena não ter saído na edição da Roadie Crew. Muito legal a entrevista. Alias, essa história do “teste para a banda secreta” é muito estranha, hauuahua.

1 02 2009
Leandro Cardoso

Matéria sensacional Thiago!!! É realmente uma pena que ela não tenha entrado na edição histórica da Roadie Crew, que foi essa nº120 com o grande AC/DC na capa!!!! Só tenho que parabenizá-lo, pois o Solada apareceu, para complementar, agregar e abrilhantar ainda mais o seu trabalho e o da Roadie Crew, e mais um meio informativo muito importante para nós, leitores da RC e fãs do bom e velho Heavy Metal de guerra!Um grande abraço!!!

2 02 2009
Marco Néo

Thiago, parabéns pelas sempre ótimas matérias. Eu comprei a Roadie Crew deste mês especificamente por causa do “dossiê AC/DC” e fiquei bastante satisfeito com o que foi publicado, mas essa entrevista não poderia ter ficado de fora! Qual foi o critério para cortar a entrevista com o Simon e colocar, por exemplo, a entrevista com o artista que fez a capa do CD?

2 02 2009
Thiago Sarkis

Marco, a matéria com o Joshua Marc Levy era mais curta, além disso, diferente por ser com um designer gráfico, e mais conectada ao lançamento de “Black Ice”.

O Simon Wright tem uma grande história com o AC/DC, mas não tem ligação com o lançamento que nos fez colocar a banda na capa, entende? Há o fato que eu disse também do espaço, pois a matéria do Simon é maior que a do Joshua Marc Levy.

Sair on-line não é problema. Eu não vejo assim. Se pudéssemos, sairia tudo na revista, mas sair on-line é ótimo. Eu curto. É uma alternativa, é outra possibilidade.

Abraços.

2 02 2009
Neto

Muito boa essa matéria com o Simon Wright. Pena que ele falou vagamente sobre o A II Z.

3 02 2009
Cátia Torres

Boa entrevista essa, talvez a melhor e mais reveladora entrevista que eu já li com um elemento dos AC/DC. E deparo-me com ela no exacto dia em que recebo esta excelente notícia:
http://cotonete.clix.pt/quiosque/noticias/body.aspx?id=41956
Por isso, aqui fica um aviso sério à navegação que vive em Portugal ou pensa rumar a estas paragens daqui a alguns meses: os AC/DC tocam em Alvalade, em Lisboa, a 3 de Junho. Toca a marcar na agenda!

3 02 2009
Blackpharaoh

Muito legal a iniciativa de prestigiarem esse ótimo músico que fezparte do monumento que é o AC/DC. Adoro o trabalho do Wright seja no AC/DC ou no DIO!!!

3 02 2009
Marco Néo

Thiago, na verdade foi mais curiosidade do que qualquer outra coisa, aliada à euforia de ler uma entrevista tão legal, claro, hehehehehehe.

Eu compartilho do seu gosto por matérias on-line, depois que a mídia “metálica” se firmou de vez na internet (Blabbermouth, Blistering, o site da revista canadense Brave Words & Bloody Knuckles, Whiplash, o site da Roadie Crew e agora também o Solada são ótimos exemplos) eu deixei de dar tanta importância assim pra mídia impressa. Ou melhor: é claro que as revistas, tanto a RC quanto as gringas, têm o seu valor inestimável, eu tenho inúmeras revistas aqui em casa que guardo com todo o carinho, mas não dá pra negar a comodidade de se ter notícias fresquinhas todo dia no Blabbermouth. No caso, uma mídia complementa a outra, é isso.

Abração!

16 02 2009
Franci23

Parabns pela entrevista, o Simon Wright tem um bom trabalho e uma otima discografia apesar dois pesares, pois não é qualquer um que tem o prazer de ter tocado no AC/DC e no Dio.
E o Marco Néo tem razão pois tanto a mídia impresa quanto a mídia on-line tem a sua necessidate, isso sem esquecer os zines tambem!

3 03 2009
Didi

A entrevista foi muito interessante, sobretudo em relação ao teste para ingresso na banda realizado de forma pouco ortodoxa. Definitivamente, estas curiosidades fazem a diferença para o leitor, que sem perceber é pego lendo a matéria com um sorriso no canto da boca. Parabéns ao talentoso Thiago, a quem rendo minhas sinceras homenagens, valendo registrar a perda irreparável da RC pela sua indesejada saída.

Um abraço

Deixe um comentário